No artigo da edição anterior, falávamos do jeito próprio de Jesus nos desejar “bom dia” quando celebramos. Pelas palavras de quem preside a comunidade reunida para rezar, chamada tecnicamente de “saudação”, reeditamos entre nós o cumprimento de Jesus aos seus discípulos e discípulas: “Paz a vós!”
Poderíamos, no entanto, argumentar que não faria mal após esta saudação, aquele ou aquela que preside a celebração dirigir-se à comunidade com o cumprimento usual no Ocidente, conforme nosso costume. Alguns assim o fazem porque encontram um sentido para o gesto. Outros consideram uma repetição desnecessária e que pode atrapalhar o desenrolar dos ritos, sobretudo quando, logo após, um outro ministro apresenta aos seus irmãos e irmãs o sentido litúrgico .
Gostaríamos de reforçar nesta reflexão o sentido teológico da saudação inicial. Sem considerarmos um “pecado” o acréscimo do cumprimento corriqueiro que alguns de nós inserimos no contexto litúrgico (bom dia, boa tarde, boa noite), é importante compreendermos o alcance das palavras que, articuladas com os outros elementos dos Ritos Iniciais, abrem a celebração.
A saudação inicial é chamada, também, de saudação apostólica. Isso porque, em geral, é uma adaptação de trechos da Sagrada Escritura, particularmente de alguma carta paulina ou das cartas chamadas católicas, que não são a ele atribuídas ou a sua “escola”. Conforme as orientações teológicas fundamentais sobre a eucaristia, presentes na Instrução Geral do Missal Romano, atende-se a dois objetivos com a saudação no início das celebrações, no caso, a Missa. O primeiro deles diz respeito à proclamação da presença de Jesus no seio da comunidade de fé reunida. Afinal, como bem orienta Paulo, somente podemos chamar a Deus de Pai se estivermos movidos pelo Espírito do Filho Jesus. Em segundo lugar, mas não menos importante, para tornar manifesto quem é a Igreja, isto é, o mistério do encontro amoroso dos irmãos e irmãs no entorno de seu Senhor.
Sobre esta dimensão da sacramentalidade da assembleia litúrgica, como realização da Igreja e nesta, da revelação da presença redentora de Cristo, dá testemunho a antiga tradição do Dominus vobiscum – “O Senhor esteja convosco”. O grande estudioso jesuíta Jungmann nos lembra que a saudação inicial se insere, na verdade, em um conjunto de saudações. A primeira delas é a saudação ao altar com o beijo e logo após a saudação da comunidade reunida com uma das fórmulas do Missal. Às vezes, acontecia também de se beijar o Evangeliário. No Missal de Pio V não havia uma saudação da Assembleia como a temos hoje no Missal de Paulo VI. Trata-se de um verdadeiro enriquecimento com base nas fontes mais genuínas da teologia bíblica e da liturgia. Na missa tridentina, a saudação era feita imediatamente antes da Oração do Dia, previamente à convocação “oremos”.
Pe. Márcio Pimentel
Liturgista