A conferência com o teólogo português e consultor do Pontifício Conselho para a Cultura no Vaticano, padre José Tolentino de Mendonça, promovida pelo Vicariato Episcopal para a Ação Pastoral, Anima, Secretariado Arquidiocesano de Formação e PUC-Minas, reuniu centenas de pessoas no último sábado, 20 de junho.
Durante a conferência, o padre José Tolentino apresentou a publicação Leitura Infinita - a Bíblia e sua interpretação e falou que o aprofundamento espiritual depende da apuração dos sentidos. O religioso disse que o maior problema da sociedade contemporânea é que as solicitações da vida cotidiana empurram todos a um estado de fadiga, ao mesmo tempo em que a maioria tem vergonha em dizer que está cansada. "Hoje nos encontramos em uma estimulação sensorial máxima" e, na vida adulta, é como se os sentidos não tivessem nos ensinado nada, lembrou. "Há uma sobrecarga de sentidos, nós os temos muito subdesenvolvidos, tornando-nos analfabetos emocionais". Para se construir uma espiritualidade no tempo presente, há que ser enfrentado o divórcio que há entre contemplação e ação, entre sagrado e cotidiano, por exemplo. Esse divórcio, disse, gera condição desencarnada do religioso, um distanciamento e não proximidade. E a Bíblia reforça a condição de proximidade, não se encontra ali dissociação entre alma e corpo, entre vida religiosa e vida comum. "Deus colocou na matéria o sopro vital, que é o ser espírito em cada vivente", e o dom de Deus é a presença d’Ele em nós, disse. O padre José Tolentino observou ainda que é através do corpo que aprendemos a gramática de Deus, é a "língua natural de Deus, por onde Ele fala".
Assim, o padre José Tolentino afirma que o encontro de cada um com os próprios sentidos (a visão, o olfato, a audição, o paladar e o tato) é um encontro com o próprio Deus. "Com uma pausa, podemos reencontrar Deus, em um encontro com nossos próprios sentidos", disse. E citou a pandemia de doenças neurológicas em todo o mundo, como depressão, transtorno de personalidade, entre outras, que também acometem a classe docente. "No final de semestre estamos todos devorados, como terra queimada", comparou.
Discorrendo sobre a construção de um projeto espiritual para o presente, o padre José Tolentino analisou como esse espaço pode ajudar a encontrar uma espiritualidade, um viver, para que seja uma experiência para encher a vida de significado. O termo "interioridade", explicou, remete a um espaço internalizado, em cisão com o exterior. O caminho que nos conduz a Deus é um exercício interior, uma renúncia dos sentidos, um mergulhar na própria alma, o que nos obriga a desligar do mundo e da própria vida, disse.
Ele falou sobre os cinco sentidos: o tato, que na ordem da criação divina ocupa a primeira colocação, "é o nosso grande olho primeiro", o que divide o interior do exterior. Padre José Tolentino citou passagem do Evangelho no qual a multidão tocava Jesus, mas Ele quis saber especificamente quem o tinha tocado, referência que padre Tolentino citou para mostrar que o tato permite o verdadeiro encontro, e não apenas "um esbarrão".
Já o paladar, prosseguiu, é o sentido do perto, do íntimo, mas a sociedade estimula somente a visão e a audição, disse. Citando o escritor Rubem Alves, padre José Tolentino disse que é preciso despertar a fome dos alunos e dar de comer somente ao final, em vez de saciar logo a fome por conhecimento.
O olfato, terceiro sentido citado pelo padre José Tolentino, é imediato, flagrante, íntimo. "Nós subestimamos a força que os odores desempenham na nossa vida", disse. "A espiritualidade se mete pelo nariz adentro, pelo corpo inteiro", a partir dos "vestígios odorantes de Jesus Cristo".
A audição humana, que é limitada e capta somente uma parte dos sons, ensina uma realidade do próprio viver. E citou a escritora Clarice Lispector: "Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso".
E, por último, a visão: só há a visão porque há luz, no olhar está a essência na procura de sentido da vida, disse.
"O desafio é encontrar uma ecologia integral, uma compreensão de que tudo está intimamente relacionado", explicou o padre José Tolentino. Citando o Papa Francisco, disse que são necessárias uma nova gramática e uma nova antropologia, uma síntese entre tudo o que somos e acreditamos", finalizou.
Durante o encontro, Padre Tolentino lançou o livro A Leitura Infinita, a Bíblia e a sua Interpretação, pela Editora Paulinas. Ele também tem publicados no Brasil Nenhum Caminho será Longo e Pai Nosso que está na Terra, ambos pela mesma editora. Padre José Tolentino é português, nascido na Ilha da Madeira, mestre em Ciências Bíblicas e doutor em Teologia Bíblica. É vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa.
- Leia aqui a entrevista do padre José Tolentino para o Jornal Opinião e Notícias.