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[Artigo] Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil-Pe. Agnaldo do Carmo, Pastoral do Surdo da Arquidiocese de BH

Com o tema para a redação do Enem em 2017, despertou-se em grande parte da sociedade a necessidade de não só refletir sobre o assunto, mas trazer, para o cenário nacional a reflexão profunda sobre se as atuais políticas públicas, atendem o surdo em seu direito à formação científica geral.

A luta da comunidade surda é pela escola bilíngue (Português/Libras) realidade que está difícil de sair do papel e se tornar fato em todos os cantos do Brasil. O que temos visto e sentido é que o Governo nas três esferas (Federal, Estadual e Municipal) está bem longe de uma verdadeira inclusão.

Ao dizer que uma escola é inclusiva, por oferecer vaga e matrícula, é insuficiente, colocando surdos e ouvintes em uma sala de aula que não atendam a necessidade do surdo, ou seja, com projeto arquitetônico de inclusão  ( boa iluminação, sem obstáculos a visibilidade), professores que não tenham conhecimento da LIBRAS e da cultura Surda, prejudicando a transmissão das matérias científicas na língua de sinais e por fim a não comunicação do sujeito surdo com os colegas de sala e o professor; caracterizando também como processo de exclusão.

A Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS oficializada pela lei Nº 10.436, de 24 de Abril DE 2002 [1] abriu caminhos, para que o surdo oficialmente fosse integrado na sociedade, uma vez que sua língua (que não é o português) agora oficial pelo Governo Federal fosse ensinada, difundida em todas as repartições públicas e principalmente no contexto formativo.

As lutas pela inclusão do surdo e sua formação são bem anteriores à oficialização da LIBRAS, a primeira iniciativa de formação do surdo, foi à fundação do INES (Instituto Nacional para Educação do Surdo) fundado por francês Ernest Huet, que apresentou a proposta a D. Pedro II [2] em 1885. O INES é referência por sua história, lutas e objetivos de integração e capacitação do surdo.

A pessoa surda no Brasil atual saiu do ostracismo para o protagonismo, se antes as famílias tinham vergonha de ter um filho surdo, por falta de conhecimento, por não saberem como lidar com esta situação, por falta de políticas públicas de inclusão e preconceitos, hoje passando o primeiro impacto de se adaptar a uma realidade que até então era desconhecida por aquela família, o diagnóstico precoce de surdez, auxilia as famílias a buscarem informação e formação para toda família. Hoje o surdo se destaca no mundo do trabalho, da educação das artes, enfim em todas as áreas. A situação do surdo mudou, hoje vários se tornaram doutores.

O que o tema da redação enfim revelou? Que não só o estudante que prestou o ENEM/2017 tinha quase ou nenhuma noção do processo de formação do surdo, de sua cultura e história, de lutas por seus direitos, reflexo de quem não se identifica e de alguns que não se interessam pela causa, devido à ausência de políticas públicas, que façam a verdadeira inclusão do surdo na sociedade brasileira.

Neste ano de 2017 tivemos avanços significativos para comunidade surda, primeiro ano em que a prova do ENEM é acessível em LIBRAS, por meio de vídeo, para candidatos surdos, aniversário de 160 anos da primeira escola de inclusão de Surdos, (INES), se por um lado estas conquistas aconteceram, por outro, destacamos ainda hoje, que diretos são desrespeitados, poucos são os serviços ofertados aos surdos, onde haja um tradutor/interprete de Libras, em órgãos públicos e privados.

O total despreparo ou desconhecimento da sociedade em se comunicar com os surdos fica evidente no relato de um surdo, membro da Pastoral do Surdo de Belo Horizonte, que afirmou: “fui ao shopping e na praça de alimentação me dirigi a um restaurante fast-food, me identifiquei como surdo, a atendente disse: temos um cardápio em braile, escrevi dizendo, sou surdo, braile, é para cegos”.

As lutas e dificuldades do surdo não cessam com a aprovação no ENEM ou vestibular, pois o português é um entrave por se tratar de uma nova língua, a língua materna para o surdo é a LIBRAS.

Aprovado, o candidato surdo tem um novo desafio: ter a garantia do direito de um intérprete, algo que em muitas instituições de ensino é negligenciado. O jovem Bernardo Lucas Piñon de Manfredi, nota mil no ENEM 2016, aprovado para os cursos de Filosofia e História na PUC-Rio, teve que abandonar o curso, por não conseguir um intérprete[3].

A comunidade surda no Brasil vibrou com a escolha do INEP, com o tema da Redação do ENEM de 2017, por trazer a pauta das lutas, trabalhos e esforços da comunidade surda, para o contexto de visibilidade que o ENEM 2017 lhe proporcionou, para que esta parcela significativa da população brasileira seja tratada com os mesmos direitos que todo cidadão brasileiro tem, o direito constitucional da educação e comunicação.

Oxalá, que toda esta reflexão traga a consciência dos governantes e da sociedade, não só a curiosidade, mas o verdadeiro comprometimento com a verdadeira inclusão e acessibilidade do surdo e das demais pessoas com necessidade especial.

[1] www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.htm acesso em 10/11/2017

[2] www.ines.gov.br- acesso em 10/11/2017

[3] www.G1.GLOBO.COM acesso em 10/11/2017

 

 

 

 

 

 

 

 



Padre Agnaldo Fernandes do Carmo
Capelão da pastoral do Surdo da Arquidiocese de Belo Horizonte
e Assessor Nacional da Pastoral do Surdo